Ana Luísa Lacombe: o que a contação de histórias tem a nos ensinar?

Falamos com a contadora de histórias sobre jornadas, histórias populares e ludicidade


Pessoas às vezes conseguem ter uma presença bastante magnética. Você olha, escuta, dedica um dos seus bens mais preciosos: a atenção. A Ana Luísa Lacombe é uma dessas pessoas que desenvolveram essa capacidade.

Ela é atriz, contadora de histórias e produtora cultural e autora de livros infantis. Pesquisa a arte da narração de histórias associando-a ao teatro e à música. É curadora do projeto "Sipirum Hora da História" e do Encontro de Contadores de Histórias anual no Centro da Cultura Judaica, Coordenadora do Curso de Formação de Contadores de Histórias da Biblioteca Hans Christan Andersen. Fundadora da casa Faz e Conta, espaço destinado a cursos e apresentações de contadores de histórias.

A The School Of Life é um daqueles lugares que a gente gostaria de ter conhecido antes. Eles oferecem ideias, sugestões, desafios e questionamentos para vivermos uma vida melhor.

Admiramos bastante o trabalho deles e ficamos bastante lisonjeados quando, por ocasião do curso Intensivo que eles estão oferecendo em São Paulo, entre os dias 23 a 27 de janeiro, pudemos falar com alguns dos professores da Escola.

Formulamos quatro perguntas específicas para cada um deles e também mais quatro para todos responderem. Vamos soltando durante a semana, para quem quiser acompanhar.

Agora, vamos à conversa com a Ana Luísa Lacombe.

1. Ficamos curiosos ao ver seu workshop sobre storytelling, Ana. Pensando no contexto da TSOL, imagino que esteja conectado a ambientes mais pessoais e íntimos (em oposição ao storytelling do marketing). Na sua visão, qual a importância da contação  de histórias em nossas vidas? Acredita que o modo como contamos nossas histórias para os outros reflete também nossos anseios e confusões?

As histórias desde sempre fazem parte da vida das pessoas, uma vez que nos comunicamos por meio de narrativas. As narrativas, os mitos, as lendas foram as primeiras reflexões do homem sobre o mundo que o cerca e sobre ele mesmo. Jean Claude Carriere diz que normal é uma pessoa que sabe contar sua própria história. Para sabermos contar nossa história precisamos nos conhecer e ouvir e ler muitas narrativas para poder entender a nossa própria história. Nos entendemos a partir do outro. Acho que quando contamos nossas histórias elas até podem refletir anseios e confusões, mas também podem refletir o desconhecimento que temos sobre nós mesmos.

2. Passamos grande parte de nosso tempo tentando encaixar os eventos de nossas vidas em narrativas que contamos para nós mesmos e para os outros. Mas muitas vezes isso é fonte de profundo sofrimento, ficamos obsessivos em ajustar e manter a coerência de nossas vidas como se elas fossem mesmo uma história que necessita ter início, meio, fim e coesão. Essa obsessão por histórias e jornadas (vide mito do herói e cia...) não poderia ser algo prejudicial? Como lidar  melhor com isso?

Desde que você seja dono de sua história e você a escreva, não vejo como isso pode ser prejudicial. Quando tentamos seguir a história proposta pela sociedade, aquilo que esperam de nós e não o que realmente desejamos é que ficamos obsessivos com algo que não nos pertence. Nem sempre as histórias têm a nossa lógica, vide os mitos indígenas, nem sempre terminam bem e às vezes terminam sem final, deixando para o leitor ou ouvinte a construção do que virá. Na vida também é assim. As histórias ajudam a nos dar essas referências de que nem tudo tem resposta. Nos ajudam a conviver com o vazio. Uma pena que essas novas versões ficam tentando fechar todas as lacunas, nos "poupando" de lidar com as coisas sem explicação.

3. Indo por outro lado, pessoalmente sinto muita falta de ver a inteligência e ludicidade da contação de histórias sendo mais usada por nós em diferentes meios e contextos. (educação, por ex) Que pensa sobre? Como histórias (e a própria contação de histórias) poderiam se integrar e beneficiar mais diretamente nossas vidas?

Concordo com você. Os grandes mestres e sábios de todos os tempos apostaram no poder das histórias e tiveram imenso sucesso na transmissão de seus pensamentos. Acho que ainda se usa a história de maneira muito objetiva e não subjetiva como é realmente seu papel, sua função. As escolas perdem a chance de conversas e momentos absolutamente ricos que podem ser vividos através de uma boa história e às vezes preferem usar histórias que ensinam a cuidar da natureza , a ser bacana com o amiguinho... História ensina sem precisarmos forçar a barra para isso. No mundo corporativo já tive a chance de fazer alguns trabalhos realmente interessantes e profundos, que mexeram com a equipe que participou. Mas em geral sou chamada para contar histórias que falam dos valores da empresa. É bom usar as histórias para transmitir esses valores, mas pode-se muito mais.

4. O que você demorou anos para aprender sobre seu trabalho e agora pode resumir em poucas palavras?

Que a palavra tem um poder impressionante e as narrativas populares têm uma profundidade e uma riqueza de possibilidades de leituras absurdo. São inesgotáveis as interpretações possíveis e as versões de cada cultura.

5. O que você demorou anos para aprender sobre a vida e gostaria que alguém tivesse te contado décadas atrás?

Que os contos populares devem ser lidos às pencas, sem parar, inclusive na vida adulta. Eles são a base do pensamento humano. São coletivos, portanto pertencem a todos nós. É um patrimônio e devemos aproveitá-lo para entender melhor a vida e nós mesmos.

6. Em sua visão, qual tema específico temos negligenciado e deveríamos dedicar mais de nossas conversas e atenção, como sociedade?

Tolerância. Temos visto nesses últimos tempos as pessoas muito interessadas em SUAS ideias e desprezando a ideia dos outros. Posso continuar com meu ponto de vista e incluir o do outro em minhas reflexões. Questionar minhas ideias, mudar, se for o caso, ou não, mas entender que a diversidade é rica, em todos os sentidos. Os contos populares nos mostram isso.

 7. Se pudesse recomendar uma só produção cultural (livro, filme, site…) para que a comunidade do PapodeHomem conheça em 2015, qual seria?

Já que falei de tolerância vou recomendar o livro de Ilan Brenman "O Que a Terra está Falando?" um conto da tradição judaica recontado por ele numa edição da Edelbra. Vale para adultos e crianças.


publicado em 21 de Janeiro de 2015, 00:21
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Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no Youtube, ouvir no Spotify e ler no Luri.me. Quer ser seu amigo no Instagram.


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