Tretas que não me contaram sobre o começo da paternidade | Vida de Pai #1

Texto escrito aos pouquinhos do período da gestação da minha esposa ao aniversário de um ano da minha filha

Nota do editor:

Escute a versão narrada deste artigo feita em parceria com os caras do Vooozer, uma plataforma de audio criada para dar voz a internet.

Aperte o play abaixo e escute o artigo enquanto troca fraldas.

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Há um ano e nove meses, o teste de gravidez marcou dois risquinhos e eu não soube o que fazer. Todo mundo me dizia coisas genéricas sobre as dificuldades da gestação e do começo da paternidade – dormir pouco, trocar fralda, mudança de humor, mudança na rotina.

Se eu tentasse ir a fundo e perguntar o que, exatamente, era tão difícil, ninguém sabia me explicar direito. Então, fui anotando tudo que gerou de desgaste tanto para mim como para minha esposa, da gestação ao primeiro ano de vida da Clara.

Os problemas variam conforme a gravidez evolui ou o bebê cresce, e cada mês será sempre uma novidade e um desafio diferente. Mas pra ninguém achar que a paternidade é só sofrimento, os momentos gostosos, de pura felicidade, ficam bem ilustrados ao longo do texto pelos desenhos de Snezhana Soosh – que além de serem puro amor, são pura verdade.

Vão querer opinar no parto

Se você falar que quer parto normal, alguém vai dizer que você está colocando a vida do bebê em risco. Se for cesárea, vão te recomendar filmes, livros e textões do Facebook sobre parto humanizado e te recitar dados dos benefícios do parto normal. Se disser que quer parto em casa então, meu amigo, se prepare para receber olhares bem tortos.

Decidam pelo que fizer você e a mãe do bebê sentirem-se mais confortáveis. Informem-se, discutam com mais de um médico, conversem com quem fez parto normal e com quem fez cesárea. E quando te questionarem sobre o parto responda sorrindo: "Ainda estamos pensando, o importante é que o nosso bebê venha ao mundo com saúde" e conte a eles os nomes que vocês estão pensando. Ninguém resiste a nomes de bebê.

Tenha em mente que a flutuação hormonal pode direcionar comportamentos

Na gestação e nos primeiros meses após o parto – período do puerpério –, a mulher enfrenta um período de recuperação intenso: o corpo ainda está aprendendo a lidar com as mudanças hormonais como a interrupção do padrão da gravidez e a produção da prolactina para a amamentação, e o seu ciclo menstrual comum, com variações hormonais às quais passou uma vida acostumada, não volta imediatamente. Além disso, é preciso lidar com o sangramento pós-parto e todas as dúvidas, alegrias e inseguranças que essa nova fase traz. Cada mulher reage de um jeito diferente e imprevisível a isso.

Pode ser que aconteça todos aqueles clichês que os filmes mostram de forma super intensa, como pode ser que ela lide super bem com a variação hormonal - raro, mas não impossível.

Tretas podem rolar por motivos idiotas, comportamentos inesperados, choro, carência, vontades. Lembro da Nathalia, que sempre teve um olfato apurado, passar a ficar muito mais incomodada com cheiros: do tênis, do banheiro, do lixo que ficou aberto, da louça que não foi lavada, do vizinho que estava cozinhando algo fedido e de coisas que eu podia jurar que estavam na imaginação dela. Nunca vamos saber. Chegamos a ter brigas que começaram por motivos idiotas e terminaram com choro.

Mas o nosso mantra sempre foi: "É uma fase, vai passar."

“Que dia nasce?”

Já no primeiro ultrassom, o médico deve passar uma previsão de quando o bebê vai nascer baseado na data da última menstruação da mulher (DUM). Isso não quer dizer que o trabalho de parto vai acontecer nesse dia – uma gestação pode variar de 36 a 42 semanas. Além disso, a DUM ajuda a determinar uma possível data de ovulação e fecundação, mas ela é só uma estimativa baseada no senso comum de que a ovulação acontece exatamente na metade do ciclo, o que nem sempre acontece.

O exame da Clara previu nascimento no dia 20 de maio, e nós, como pais de primeira viagem empolgados, cometemos o erro de compartilhar essa data com todo mundo. Não preciso nem contar das ligações desesperadas de pais, avós, tios, amigos e gente que não tinha nada a ver com a história nos questionando por que o bebê não havia nascido, já que nossa filha só resolveu vir ao mundo nove dias depois da data prevista.

Um rapaz chegou a nos dizer que, segundo suas próprias contas, nossa filha havia passado dos nove meses e era melhor procurarmos um médico. Some essa pressão à ansiedade e você vai entender a dimensão da treta.  

Minha sugestão: quando te perguntarem quando vai nascer, chute uma data 30 dias pra frente. Ninguém acha ruim quando a pizza chega antes do tempo previsto.

Puerpério

Produzir um negocinho de carne e osso dentro de você e expeli-lo para fora com vida não é coisa simples, e o corpo precisa de um tempinho para se recuperar e voltar as atividades normais. Esse período pode demorar até dez meses e se chama puerpério.

Fui descobrir o que era o puerpério quando já estávamos vivendo o período.

Minha esposa se sentia triste nos primeiros dias da Clara – chorava, não queria sair de casa e não sabia explicar porquê. A tristeza vinha e voltava ao longo dos meses e foi diminuindo conforme o tempo passou.

É bastante importante não confundir puerpério com depressão pós-parto, que é algo bem mais grave – um dos sinais da depressão é a rejeição da mulher pelo filho, além da presença de vontades como se ver longe e livre do filho e até matá-lo. Se você notar comportamentos desse tipo na sua esposa, procurem um médico, e mesmo o próprio pediatra poderá ajudá-los em casos de depressão pós parto.

A minha dica aqui é: escute, seja presente. É muito comum casais quererem se divorciar durante essa fase, é muito fácil entrar numa briga quando os dois estão cansados, vivendo uma rotina maluca e com um bebê que demanda atenção o tempo todo. Mas a parceria é essencial. Eu e minha esposa continuamos repetindo: "É uma fase, vai passar".

Se você quiser conhecer mais a fundo sobre o puerpério, recomendo muito assistir o vídeo da Tchulim falando do assunto, ela explica o que viveu na pele, invista esses 12 minutos em você, sua esposa / marido e seu bebê.

Amamentação

Bem disse a minha esposa que durante a gravidez a gente se preocupa e se prepara tanto para o parto que acaba esquecendo de se preparar para tudo que vem depois – que é mil vezes mais difícil.

Amamentar é foda. Demanda tempo, atenção, paciência e uma baita dedicação.

Problemas como o bebê não acertar a pega do peito da mãe, o leite demorar para descer, o peito da mulher ficar machucado ou leite empedrar são muito comuns, mas são contornáveis.

O essencial é oferecer suporte e encorajamento para a sua mulher. Elas precisam de uma boa rede de apoio que não vacile na primeira dificuldade. Uma boa opção é procurar ajuda em grupos confiáveis e sérios nas redes sociais, nos quais as mães trocam experiências e dicas.

Além disso, os bancos de leite dos hospitais não apenas fornecem leite para mães com problemas no aleitamento materno, mas as ajudam a resolverem problemas relacionados à amamentação.

Outra alternativa são as consultoras de amamentação que vão na sua casa. No meu caso e da minha esposa demos a sorte de ter uma grande amiga consultora de amamentação que nos deu uma baita força até a Clara aprender a mamar direitinho. 

É extremamente tentador trocar o aleitamento materno por leite artificial, especialmente quando vocês dois estiverem no auge do cansaço. É mais fácil pro bebê, mais rápido e, principalmente, outra pessoa pode fazer pela mãe. Entendo que há casos e casos, mas enquanto puderem: insistam no aleitamento materno, aqui você encontra diversos artigos que explicam os benefícios e as vantagens do aleitamento. Sem contar que a própria OMS e pediatras batem demais no martelo sobre a importância de amamentar.

Filho precisa de atenção

Durante a gravidez, eu jurava que daria para colocar a Clara para dormir jogando videogame com ela no colo.

Ingênuo.

A Clara gosta de receber atenção e de brincadeiras interativas que ela possa fazer com você, como brincar com brinquedos juntos, ir ao parque, ver bichos, passear de carrinho, ouvir você falar com ela, cantar uma música. Ela adora quando mostro alguma novidade a ela ou quando exploramos um objeto juntos, as texturas, cores, cheiros e sons, ela adora quando mostramos os sons que os objetos podem fazer.

Não tem nada mais gostoso do que dar atenção para a minha filha no meu tempo livre.

O problema são os dias que sua filha precisa de atenção quando as coisas estão pegando fogo no trabalho, você e/ou sua esposa precisam resolver algum problema, alguém está doente ou você simplesmente quer cagar e tomar um banho em paz.

Esses serão os dias que você vai querer a sua mãe, literalmente.

Construa uma rede de pessoas que você possa contar para os dias mais punks, como a sua mãe, sogra, irmã, cunhada, vizinhos, parentes e amigos. Não tenha medo nem vergonha de pedir ajuda, você vai se surpreender como as pessoas, principalmente da família, são solícitas para ajudar com o bebê.

Picos de crescimento e saltos de desenvolvimento

Seu bebê dormia bem e, do nada, tem noites agitadas, e nenhum de vocês consegue dormir direito mais?

Era tranquilo e bonzinho e de repente começa a chorar o tempo todo, não desgruda do peito da mãe? As brincadeiras que ele gostava antes não tem mais graça? Começa a chorar sem motivo aparente, se irritar com coisas que antes ele adorava? Você até diria que alguém trocou o seu bebê por outro?

Provavelmente seu bebê deve estar passando por um pico de crescimento, ou um salto de desenvolvimento. O primeiro se refere ao crescimento físico do bebê e o segundo se refere ao desenvolvimento mental.

O desenvolvimento do bebê não é linear – há fases nas quais acelera outros nas quais desacelera, tanto mentalmente como fisicamente. Mas são nesses períodos que a criança aprende a fazer coisas novas: rolar, engatinhar, emitir sons, desenvolver a coordenação.

Fica tão excitado com os aprendizados que o cérebro vai a milhão e não conseguir dormir direito é uma consequência normal – deve ser mais ou menos como era pra gente tentar dormir depois de abrir todos os presentes que ganhou no Natal. Só que no caso do bebê isso ocorre de forma mais intensa, pois o cérebro está trabalhando para tentar dominar essa nova habilidade.

No caso do pico de crescimento, o bebê vai precisar consumir uma maior quantidade de energia para poder espichar, então vai mamar muito mais e, se já estiver comendo, possivelmente parecerá uma draga.

Os saltos duram alguns dias – costumam ser punks – e o importante é dar bastante atenção ao bebê.

No meu caso, a Clara costumava se acalmar quando eu cantava pra ela. Quando isso não funcionava, uma boa e velha mamada resolvia.

Aqui tem uma tabelinha que pode te ajudar a localizar esses picos no tempo.

Sexualidade do casal

Não importa o quanto vocês trepavam antes, o sexo vai diminuir.

Logo depois do parto a mulher precisa ficar por quarenta dias sem penetração, independente do parto ter sido normal ou cesárea, porque é o tempo que o corpo dela precisa para se recuperar do processo de parto.

Depois da quarentena, as atividades rotineiras de maternagem e recuperação hormonal do corpo podem interferir. Laceração, episiotomia do parto normal e o corte da cesárea podem causar sensilbilidade extra na região. A prolactina, hormônio responsável para a estimular a produção do leite materno da mulher, diminui a libido, e o bebê demanda tempo e vai ser a prioridade. Vocês vão dormir menos e a dinâmica do dia de vocês vai mudar, assim como o próprio relacionamento. Pode ser difícil achar tempo livre e, quando tiverem, pode ser que tenham outras prioridades.

A paternidade ocorre num tempo diferente da maternidade

Enquanto a mulher tem o corpo dela inteiro gritando os sinais da maternidade durante toda gestação, a rotina masculina não muda em quase nada. Por mais presente, participativo e prestativo que você seja, só a mulher vai carregar e parir a criança, só ela vai amamentar e haverão momentos nos quais só a mãe vai conseguir fazer a criança parar de chorar.

Não fique surpreso se quando seu bebê nascer e você segurá-lo no colo pela primeira vez você não sentir todas aquelas coisas mágicas que dizem por aí. Às vezes leva um tempinho pra vocês se conhecerem melhor, gostarem um do outro e criarem elos. Do mesmo jeito que acontece quando conhecemos qualquer outro ser humano, é normal.

Comigo foi assim.

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Hoje eu entendo porque ninguém sabia me explicar direito as dificuldades da paternidade: elas mudam a cada fase. E o tempo passa tão rápido e de forma tão intensa que a gente acaba nem se dando conta dos detalhes. É meio como tentar contar resumidamente para alguém como foi aquela viagem, ou aquele romance maluco que você viveu – você se lembra dos sentimentos e de alguns momentos, mas é difícil achar as palavras pra descrever algo tão intenso e incrível.


publicado em 09 de Junho de 2016, 13:25
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Rodrigo Cambiaghi

é especialista em mídia programática, monetização de sites e BI. Reveza o tempo entre filha, esposa, cão, trabalho, banda, moto, games, horta de casa, cozinha e a louça que não acaba nunca.


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