Negro ou preto? Eis a questão

De onde vem cada palavra e qual seria a mais correta ou adequada para usar quando falamos de raça?

Importante ressaltar logo de cara: não há um consenso. As divergências são sutis e variam quanto ao conteúdo, mas jamais quanto à forma: é uma questão léxica e de ressignificação.

Foto por Ayo Ogunseinde no Unsplash

Achille Mbembe, filósofo e historiador camaronês, propõe, em Crítica da Razão Negra, que o conceito de escravo tende a se fundir com o de negro até estes se tornarem uma coisa só. Para desfazer isso, ele defende a “reinvenção da comunidade”, e tal conceito encontra respaldo no processo de ressignificação e politização da ideia de raça, proposto pelo Movimento Negro Unificado no final da década de 70.

O debate acerca de negro e preto ressurgiu com Babu no BBB 20. Ele falou da origem da palavra “negro”, dizendo que vem de "nigro" – do grego, "inimigo" – e, por isso, o certo seria falar “preto”. Na verdade, há discordância sobre a origem, posto que alguns historiadores acreditam que o termo tenha vindo do latim "nigrum" ou ainda "necro" (referente à morte) - tese esta menos defendida. Mas o ponto é que o discurso de Babu caminha lado a lado ao do músico ganês Nabby Clifford, cujo vídeo onde aborda o tema viralizou. Em termos gerais, Clifford diz que "negro" é uma palavra negativa, e o certo é usar "preto".

No continente africano, é diferente. O conceito de raça sequer existia lá: quem o levou – e o criou – foi o branco colonizador para justificar a escravização. Ou seja, na África, antes da chegada dos europeus, não existia nem negro, nem preto. Não havia necessidade, pois são grupos étnicos que já têm identidades próprias: ashantes, yorubás, egípcios...

A escravização e as diásporas nos deixaram vários símbolos, e nenhum deles é vazio. "Criado-mudo" não existe em vão. A destruição do racismo é complexa por inúmeros fatores, e um deles é a língua, pois temos um dicionário ainda racista. Apesar de concordar com a visão de rompimento com o léxico proposto pela escravidão, não ouso discordar dos mais antigos, como o pessoal do MNU, que ressignificou a palavra "negro". Por isso, repito: não há um consenso. A língua é viva, mas a História também tem que ser.


publicado em 21 de Maio de 2020, 10:15
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Marcos Luca Valentim

Jornalista e um dos líderes do coletivo negro do Grupo Globo.


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