Eu sei que sou difícil: como conhecer suas limitações pode impactar os seus projetos

Ter um gênio difícil pode ser ruim para a convivência com as pessoas. Mas, acredite, é pior ainda para o desenvolvimento dos seus projetos que precisam da colaboração dos outros

É bem mais comum ouvir histórias de empreendedores bem-sucedidos com personalidades difíceis do que o contrário. Pessoas que trabalharam próximas a Steve Jobs e Walt Disney contam que o estilo desses líderes, cada um do seu jeito, era bem difícil. Mas, como eles foram bem-sucedidos, muitos ou relevam esse lado da história ou acreditam que precisam ser como eles para chegarem ao sucesso. Não é bem assim.

A imprensa e a literatura dão preferência absurda para o que dá certo e quase não existe literatura sobre o que deu errado. Mesmo que na vida real histórias assim sejam mais frequentes. Pesquisas mais profundas neste tópico mostram que pessoas muito difíceis de lidar fracassam mais do que sucedem. E por trás dessa característica de “ser difícil” existe uma causa muito comum à maioria dos empreendedores.

Ei, você! Faça o que eu mando. Na minha empresa, mando eu! 

Líderes, em geral, são narcisistas. Esses estudos sugerem alta correlação entre os traços de personalidade de empreendedores e o narcisismo, quando comparados com outros tipos de profissionais. E isso não é ruim. O narcisismo está associado à autoconfiança e à propensão ao risco, características essenciais para empreender.

Aguentar as pressões de se abrir um negócio, ir contra o senso comum de amigos e familiares, insistir em caminhos não trilhados e resistir aos muitos erros e falhas até estabilizar o projeto exige ter muita confiança em si mesmo. Essa autoconfiança é extremamente útil também para garantir confiança a seus seguidores de que é uma pessoa que vale a pena seguir. Então tudo ótimo com o narcisismo?

Nem tanto.

Um clichê pra você: Suas fortalezas  são a maior demonstração de suas fraquezas. O outro lado do narcisismo é bem conhecido. Trabalhar para líderes narcisistas é duro. Se para as pessoas de fora da empresa ele é um empreendedor brilhante, de sucesso, muitas vezes cativante (já que transborda autoconfiança), para quem está próximo pode ser um tormento.

Narcisistas usualmente transferem a responsabilidade de seus erros para os outros (para não impactar sua autoestima), podem ser arrogantes, manipuladores, exploradores, apresentar dificuldade para ouvir e desprezar ou massacrar pessoas que não concordem com eles.

Um grupo de professores pesquisadores mostraram que, da mesma forma que o narcisismo aumenta a capacidade de liderança dos indivíduos,  doses maiores de narcisismo tendem a prejudicá-la. Em entrevista, um desses professores, Emily Grijalva, comenta que a relação da efetividade de uma liderança com o narcismo funciona em um gráfico como um U invertido, no qual, no início, quanto mais narcisista melhor, até um ponto em que é só ladeira abaixo.

Ei, você! Não me confronte. Fora da minha banda!

Geralmente, os exemplos não fogem muito à regra: existe um processo, talvez inconsciente, em que as pessoas que são contratadas por eles geralmente são submissas — ou seja, só fazem o que eles querem e sobrevivem o venerando, o que reforça o ciclo de autoveneração. Quando o projeto começa a crescer e o líder não consegue mais estar perto de tudo, a coesão do negócio começa a se dissipar, já que excesso de narcisismo é pernicioso para grupos. Além disso, ele causa a perda de senso de vulnerabilidade e a insensibilidade para aprender com erros. E não é incomum nesses casos que as decisões sejam tomadas não em prol do futuro do projeto,  mas para proteger sua imagem pessoal.

Quando mais rapidamente um projeto se desenvolve, maiores podem ser as armadilhas do ego.

Antes de continuarmo, só vamos esclarecer uma coisa: narcisismo não necessariamente tem relação com exposição pública. Alguém pode ser narcisista e não gostar de aparecer, mas de viver no mundo que criou para si mesmo. Ok?

Sou narcisista: o que faço agora:

Existe uma velha fábula que nos ajuda a entender o fenômeno e encontrar uma solução: na época do império romando, os comandantes, ao voltarem de um grande triunfo militar, eram recebidos com grandes celebrações públicas. Existem alguns poucos registros históricos que contam que, enquanto o comandante se exibia numa biga (veículo de guerra), atrás dele ficava a figura do auriga, um escravo que, além de sustentar uma coroa por cima de sua cabeça, ficava sussurrando em seu ouvido: Hominem te memento — ou traduzindo do latim: lembre-se que é apenas um homem.

Ei, você! Não sugira que perdi tudo porque não soube a hora de parar. Meu império, minhas regras.

Simbolicamente, era uma forma de lembrar o comandante de sua condição de mortal. Outras referências falam também que era suspirado: Memento mori, ou em português: lembre-se de que morrerá, o que no final, tem o mesmo sentido.

Comandantes precisam de aurigas, ou de pelo menos um auriga que possa lembrá-lo de que eles não têm razão para tudo e que existem ideias e possibilidades de decisões tão boas quanto as deles.

Alguém em quem confie, capacitado, que possa confrontá-lo e lembrá-lo de seus limites. Pode ser um mentor, um coach ou alguma pessoa próxima que entenda sobre o que você está fazendo.

O comandando, porém, precisa ter cuidado ao escolher seu auriga. Usualmente, leva-se um tempo para se criar uma relação íntima suficiente em que exista o conflito, mas mantenha-se o respeito. Se você, empreendedor, não tem alguém nessa categoria, pense em se expor a mentores, consultores, outros colegas empreendedores e compartilhe suas dificuldades e decisões. Observe quais são aqueles que mais te deixam desconfortável pelo que falam, mas que após um período de desconforto você gostaria de ouvir mais. Após alguns meses de conversa, você notará claramente quais são as pessoas que poderão virar seu auriga.

Mas claro, depois de conversar com muitas pessoas, você poderá notar que nada do que te falam faz sentido e não ter vontade de se aproximar de ninguém. Neste estágio pode ser tarde demais. Sua parte narcisística pode ter te dominado totalmente.

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Nota da Edição: Este texto é fruto da parceria de conteúdo entre o PapodeHomem e a Endeavor Brasil. Desde julho, estamos republicando quinzenalmente às terças-feiras artigos sobre trabalho e negócios que interessem ao nosso público com a assinatura do portal com mais autoridades no assunto no país. O artigo de hoje é pode ser lido originalmente aqui.

 


publicado em 17 de Outubro de 2017, 12:32
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Claudio Garcia

Claudio Garcia ocupa atualmente a Vice-Presidência Executiva para Estratégia e Desenvolvimento Corporativo da LHH, em Nova York, onde é responsável por identificar fontes de inovação e crescimento para a organização, que tem operações em 64 países.


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